Joana de Sousa entrevista Maxime Martinot, realizador de “Olho Animal”

Como vês a relação entre o olho máquina (da câmara), o olho animal (os que filmas) e o olho humano (o teu, talvez)?

O filme tenta relacionar e tornar dependentes esses diferentes regimes de visibilidade. Parece-me que só o cinema sabe criar esses labirintos sem fim de campo/contra-campo (entre o que vê e o que é visto). No filme anterior Os Antílopes, tentamos explorar a dimensão perigosa e nefasta dessa característica. Com Olho Animal exploramos outro lugar, mais positivo e fértil, dessas dialécticas de visibilidade. Isto é, como tornar mais humilde o nosso olhar face ao olhar dos outros (entre cães, entre humanos, entre cães e humanos) e, sobretudo, o que resta dessas relações. Isso tem a ver com a amizade. Para mim, este é um “filme de amizade”, como dizemos dos filmes de amor. O cinema tem mais a ver com a amizade do que com o que chamamos de “amor”, acho eu! Pelo menos, o cinema faria menos mal à humanidade e a outras espécies se tratasse menos do que consideramos como amor.

 

São usados no filme vários excertos de outros filmes, em que cães aparecem. Como foi feito esse trabalho de pesquisa e como foste construindo essa relação da narrativa com o arquivo?

Os dois confinamentos ajudaram muito! Fiz muita pesquisa na Internet, encontrei sites e outros amadorxs de “cães no cinema”. Anotei imensos títulos de filmes com cães que aparecem em vários filmes de “património”, mais do que nos blockbusters. Durante um ano vi muitos filmes com esta nova atenção e reparei que há cães em quase todos. Agora acredito que os cães estão presentes em 99% dos filmes da história do cinema! (o que é compreensível já que os cães, mais do que outras espécies, habitam todos os lugares da vida dos humanos: em casa, na rua, na oficina, no campo, etc.) Então, tive que adoptar um rigor quase religioso na fragmentação desses excertos! Organizei cerca de 3000 planos tematicamente. Durante a montagem, tentámos abandonar a lógica de “catálogo” para tornar a ligação entre eles mais poética, cinética, e relacionar tudo com a narrativa. No final “só” ficaram 250 excertos de filmes.

 

Há várias dualidades no filme, a Bretanha / Lisboa, o Animal / Humano, o Realizador / o Produtor, até os teus dois cães com personalidades distintas, que vão criando tensões e ligações ao longo do filme. Foi um jogo propositado?

Foi sim, completamente! No início do filme, fala-se da esquizofrenia do que não é conciliável (nomeadamente entre a dimensão financeira do cinema e a dimensão artística), mas depois o filme vai tentar reconciliar o irreconciliável. Isto tem a ver com a primeira questão: como uma parte pode ajudar outra parte, e como se criam ligações, amizades, etc. E, sobretudo, uma questão essencial para mim: de que são feitas as distâncias? Não vou dizer mais, pois essas reflexões fazem mesmo parte da resolução do filme!