Alejandro Vásquez San Miguel é o realizador de A Landscaped Area Too Quiet for Me.
É a tua primeira longa-metragem. O que te levou a este projeto, neste primeiro mergulho na longa-metragem? Podes falar-nos do processo, de como correu, até chegar ao objecto que vai estrear no Doclisboa?
O projecto surgiu-me de modo inesperado que reuniu vários desejos. O desejo da minha avó em contar, e o meu de estar mais tempo com ela. No início, há mais de 5 anos, não pensava em fazer um filme, ajudava apenas a organizar as palavras da minha avó para um possível livro de memórias, mas os encontros com ela fizeram-me sentir que tinha de filmar o que via e que sentia em relação a ela, o que ouvia, sobre o meu avô e as suas vidas (também o tempo e a casa). A partir daí surgiu uma aventura que combinou este ponto de partida e o meu modo de filmar, mais próximo da ficção. Enquanto conversava com minha avó em Madrid, a minha outra avó, que morava numa aldeia a mais de 500 km de distância, estava a perder a memória e a razão. De repente dei por mim num mundo complementar e sobremaneira interessante: o da memória e da (des)memória, e era esse o filme que queria fazer. O projecto ainda está vivo sob o título: MADRIDLASVEGAS (Las Vegas é o nome da vila da minha outra avó). De certo modo, este filme que podemos ver no Doclisboa é a primeira parte desse projeto mais amplo. Quando visionámos o material desta primeira filmagem percebemos que era um filme em si, e decidimos fazê-lo. De início não era claro o que era, só a presença de Marta Velasco, a montadora, fez com que tudo fizesse sentido e ganhasse vida.
O filme é uma obra cuidadosamente pensada e elaborada, com igual interesse num estudo de carácter íntimo, num registo de memórias e da realidade dos protagonistas, bem como nas possibilidades criativas formais e artísticas que existem na construção de uma outra coisa – um objecto de cinema – a partir delas. Podes falar-nos da negociação desse espaço e da dualidade dessas responsabilidades no filme?
O filme tenta ser fiel à intimidade que descobrimos com os personagens, a filmagem e o tempo e espaço partilhados, bem como à minha forma de entender o cinema. Quando começámos, não sabia filmar, limitava-me a entrevistar; mas depois deixei-me levar pelos meus impulsos e decidi divertir-me, tentar, investigar, e comecei a usar a encenação, as repetições, todos esses meios que me aproximaram do que sentia e conhecia profundamente (a casa, os meus avós, a memória…). Em suma, ir além do que via na mera realidade. Percebi que a responsabilidade era ser fiel ao que sentia, mais do que ao que via. Isso fez-me sentir à vontade e desfrutar, e tenho a certeza que foi o que salvou e criou o filme.
Disseste que tinhas interesse na ideia de ‘f(r)icción’ – uma palavra híbrida criada por ti, ligando ‘ficção’ com ‘fricção’. De que modo essa ideia moldou o teu pensamento e escolhas na construção deste filme? E como enquadra a tua relação mais vasta com o cinema?
Nunca tinha pensado em cinema do ponto de vista documental. Embora ainda nunca tivesse conseguido rodar um longa-metragem, sempre pensei no cinema a partir da ficção, algo que, sem estar totalmente consciente, me restringiu a premissas anteriores como o argumento, de que não gosto. Ao tentar filmar a realidade, senti-me à vontade para experimentar e combiná-las. Quando pusemos uma câmara à frente do primeiro pequeno-almoço notei imediatamente que a fricção causada pela filmagem nos levou a um espaço fílmico mais interessante, e isso, que a princípio rejeitei, foi o que mais me atraiu e incentivou. O filme começou a construir-se nessas fricções, filmando, nas fricções entre a equipa e os meus avós, nas limitações espaciais dos corredores, na idade dos personagens. Todos esses limites e “fricções” enriqueceram o filme e abriram completamente a minha forma de abordar o cinema. Trabalhando e improvisando a partir da realidade com elementos nascidos da mise-en-scène, deu-me a liberdade que sempre quis e, ao mesmo tempo, ofereceu-me um espaço criativo muito mais próximo da improvisação e do uso dos meios disponíveis, algo muito mais próximo da minha forma de sentir a vida e o cinema. Ao rodar este filme, não só aprendi, por fim, a fazer uma longa-metragem, mas também descobri o modo como gosto de fazer. Albert Serra disse há dias que filmar desta forma é para preguiçosos, e talvez tenha razão. Sou preguiçoso e feliz com este método. Prefiro ser livre a trabalhar a realidade, do que ficar preso às premissas do que um dia escrevi num pedaço de papel. Acho mais interessante aproveitar a luz que entra pela janela do que as palavras engenhosas de uma cena escrita.