Silêncios é um filme que se estrutura a partir do espaço negativo, trabalhando as imagens e os sons numa exploração profunda sobre a subjectividade de percepção. Como evoluiu esta relação com os materiais captados?
Os materiais começaram por ser identificados. Houve um primeiro reconhecimento de que diferentes tipos de silêncio habitavam aquele lugar. Percebi que o silêncio não era a mera ausência de som, que aqueles silêncios concentravam energias, ressonâncias, histórias de valor elevado. Normalmente, estes silêncios são abafados pelo ruído humano, mas ali encontravam-se em estado mais puro. Identificados os silêncios, procurei os sons que os habitavam. A imagem surge como uma resposta a essas sonoridades percepcionadas. A montagem também, o trabalho da Sara Morais e da Matilde Meireles no desenho sonoro, assim como a música do João Ana. Os diferentes elementos ajudaram a concretizar essa experiência sensorial.
Ao longo do filme, vamos encontrando referências a diversas formas de transmissão de informação e de conhecimento, como a escrita ou as telecomunicações. Mas sentimos que, apesar disso, persiste um não dito. Algo que não se refere, que não se fala, que não se discute. Como se construiu esse confronto no filme?
A questão da linguagem foi sendo pensada nas diferentes etapas do filme. Mais do que a anulação da linguagem, o silêncio é um lugar que lhe antecede. Quando a linguagem surge, é já o resultado de um silêncio que a preparou. Trabalhar a questão do silêncio foi sempre uma prioridade em relação à linguagem. Recriar esse lugar anterior à palavra, através de sons e imagens.
No filme existem alguns vestígios de linguagem, oral e escrita. Nos cânticos, nas orações, nos sermões. Estes elementos foram trabalhados para não refletirem apenas o seu significado imediato. Para que nos apresentassem outras características escondidas, como a entoação, a melodia, a pergunta em vez da resposta, a entropia da linguagem como um vazio em si mesmo. Foi importante criar condições para se pensar o “impensado”, como lhe chama Eduardo Lourenço. Pensar um passado, pensar um presente, permitir esse lugar de reflexão.
O teu primeiro filme, Casa Velha, foi filmado em Moçambique. Silêncios é o segundo, e utiliza materiais captados em Angola. De que maneira se relaciona este território com o teu percurso enquanto realizador?
Procuro seguir um trajeto o mais próximo possível de uma ideia de origem. Seja nas relações, nas motivações, na forma como certas pessoas, comunidades ou instituições vivem. Estes dois primeiros filmes fazem parte de um percurso que envolveu viajar e habitar diferentes lugares, durante um tempo considerável. Os filmes foram acontecendo, não os planeei. Nasceram neste lugares precisamente por essa proximidade com realidades menos artificiais, mais genuínas em certa medida.
Por exemplo, a possibilidade de acompanhar uma igreja a ser construída, daquela forma, com tudo o que isso representa. Não são apenas as diferenças que me despertam curiosidade, mas sobretudo os pontos de contacto, a repetição. As semelhanças permitem-me aproximar de uma base, de uma origem comum. Estes territórios talvez possibilitem uma maior abertura e transparência para se darem a conhecer.