O director de Indústria da ECAM – Escuela de Cinematografía y del Audiovisual de la Comunidad de Madrid, Rafa Alberola, faz um retrato do ensino de documentário em Espanha, o País Convidado do Doclisboa 2024.
A ECAM é uma fundação cultural que tem como objectivo formar as próximas gerações do sector audiovisual. Podem falar-nos um pouco sobre o ensino do documentário em Espanha?
A maioria das escolas de cinema em Espanha são bastante jovens, a ECAM, por exemplo, fará 30 anos em 2025. E, desde o início, centraram-se sobretudo na ficção. No entanto, na última década, assistimos a um crescimento impressionante de estudos dedicados ao documentário, especialmente no que diz respeito à não-ficção criativa e instigante. É óbvio que o Mestrado em Documentário Criativo que a [Universitat] Pompeu Fabra lançou no final dos anos 90 tem sido uma pedra angular nesta área e tem sido uma plataforma fantástica para alguns dos melhores realizadores de documentários em Espanha; mas desde então, outros programas fantásticos têm aparecido, como o nosso próprio Mestrado em Documentário, coordenado por Sergio Oksman. Este curso tornou-se forte na nossa escola, com muitos alunos brilhantes a formarem-se todos os anos com filmes que muitas vezes superam as nossas expectativas. No nosso caso, estamos muito concentrados em dar aos nossos alunos as ferramentas necessárias para encorajar o pensamento livre e inovador e fornecer-lhes um conhecimento suficientemente amplo para que possam realizar projectos, do início ao fim, sozinhos ou colectivamente.
Entre a tradição e a contemporaneidade, como avaliam o estado do documentário em Espanha?
Bem, creio que a criação destes espaços onde o cinema pode ser discutido, pensado, imaginado e depois realizado, foi um grande impulso para algumas gerações de cineastas brilhantes. Nomes como Luis López Carrasco, Isaki Lacuesta, Lois Patiño, Albert Serra, Helena Girón e Samuel Delgado, entre muitos outros, provêm ou pertencem, de uma maneira ou de outra, a estes ecossistemas académicos. Estamos, portanto, a assistir a um momento muito positivo para o cinema documental em Espanha, onde os filmes estão a viajar para festivais de topo no estrangeiro, sendo aclamados pela crítica e pelo público.
Quais são os pontos fortes e os pontos fracos da indústria em Portugal e em Espanha? E sobre co-produções – tem havido um número crescente, ou trabalhamos ainda muito separados?
Não posso falar pela indústria em Portugal, embora acredite que vivemos cenários semelhantes, onde o talento está a crescer e é aclamado no estrangeiro, mas ainda nos debatemos com um sistema financeiro muito limitado, onde os filmes ousados e independentes dependem principalmente do financiamento público e de algumas emissoras, o que pode ser limitativo.
Quanto às co-produções, penso que se tem registado um aumento significativo. Acredito que existe um grande potencial para a co-produção natural e os produtores estão a ganhar consciência disso. Até agora, três projectos do nosso programa de desenvolvimento La Incubadora conseguiram uma co-produção bem sucedida com Portugal: um deles ganhou a Concha de Ouro em San Sebastián no ano passado, O corno, de Jaione Camborda; outro está a ser filmado neste momento, Last Night I Conquered the City of Thebes, de Gabriel Azorín; e um terceiro está perto da luz verde.
Para além disso, houve casos de sucesso recentemente, como Sobre todo de noche, de Victor Iriarte, e o próximo filme de Lois Patiño.
O que nos podem dizer sobre a programação da ECAM no Doclisboa?
Este é o nosso terceiro ano consecutivo a colaborar no Doclisboa. Trazemos os nossos estudantes de documentário recém-formados, o que é emocionante para eles e uma oportunidade fantástica de viverem um festival de cinema com tanta profundidade.
Mas, este ano, uma vez que somos a escola convidada, orgulhamo-nos de participar com um vasto leque de iniciativas, especialmente o restauro e a estreia mundial de dois filmes que foram mantidos em silêncio durante anos devido à censura durante a ditadura. Estes filmes são Manifesto Horizontal (Javier Aguirre) e Tirarse al monte (Alfonso Ungría). Temos também uma seleção de filmes de estudantes a serem exibidos na secção Verdes Anos.
Entre verem os seus trabalhos exibidos no festival e terem a experiência internacional de network, conseguem falar-nos um pouco sobre a importância que este convite tem para os alunos da ECAM?
Na ECAM levamos muito a sério a presença dos nossos alunos em festivais de cinema como parte da sua formação. É importante que conheçam o ecossistema dos festivais e participem em eventos de indústria o mais cedo possível, para que não se sintam perdidos quando acabarem o curso. Dá-lhes um conhecimento mais alargado do mundo real e dá-lhes a oportunidade de conviver com pessoas que estão numa fase diferente das suas carreiras, o que é muito enriquecedor.
O mundo já é muito exigente, por isso gostamos de os ajudar tanto quanto possível neste sentido.