O Doclisboa tem o prazer de partilhar, neste ano marcante para o nosso país, os filmes de abertura e de encerramento, e a segunda retrospectiva da sua 22ª edição. Este é o primeiro olhar sobre um programa rico que gera uma conversa entre um presente, um passado e um futuro, onde convergem, de formas diversas e inesperadas, uma série de reflexões necessárias sobre o cinema do nosso tempo.
O 25 de Abril e os seus ecos estarão por toda a parte na abertura da 22ª edição do Doclisboa, que este ano acontece de 17 a 27 de Outubro. Sempre, de Luciana Fina, obra estreada recentemente no Festival de Veneza e que, 50 anos depois, revisita e traz para o presente os filmes, as imagens, os rostos e os ideais esquecidos ou por cumprir da revolução, inaugura o festival e tem sessão marcada para dia 17, no Cinema São Jorge. A fechar, o Doclisboa mostra O Dia Que Te Conheci, do cineasta brasileiro André Novais Oliveira, cronista do quotidiano por excelência que aqui se aventura pela comédia romântica como nunca antes a víramos. O encontro com o público está agendado para dia 26, na Culturgest.
ABERTURA
Luciana Fina, artista italiana radicada em Portugal desde os anos 1990 e que ainda no ano passado apresentou Andromeda no Doclisboa, regressa agora para estrear um filme tão potente quanto desencantado sobre o 25 de Abril de 1974. Sempre é um filme feito de filmes – partiu de um convite da Cinemateca Portuguesa para conceber uma instalação por ocasião dos 50 anos de Abril, recorrendo ao arquivo fílmico nacional e ao repositório de imagens da RTP. Através de excertos de variadas obras mais ou menos conhecidas, e de um notável trabalho de pesquisa e montagem, Luciana Fina traça o retrato de uma época ida e utópica. Ao mesmo tempo, com recurso à captação sonora de momentos do presente, a realizadora transporta essas imagens de arquivo para a contemporaneidade, colocando-as em diálogo com as lutas de hoje – da crise da habitação à justiça climática, dos direitos das mulheres aos direitos dos trabalhadores da cultura, confrontando-nos com tudo o que está por fazer.
“Sempre é um tributo ao cinema que interferiu na história e que restitui hoje a hipótese de um momento extraordinário. O filme atravessa a asfixia do salazarismo e da PIDE, as ocupações estudantis de 1969, o Movimento das Forças Armadas de 1974, os sonhos, programas e perspectivas do PREC, o ‘Verão Quente’, a descolonização e, sobretudo, propõe de novo os gestos de grandes cineastas que entraram em acção juntamente com artistas, compositores e directores de rádio”, lê-se no texto que apresenta o filme de abertura do Doclisboa.
ENCERRAMENTO
A fechar a edição deste ano, o festival exibe O Dia Que Te Conheci, de André Novais Oliveira, nome incontornável do chamado ‘Cinema de Periferia’ brasileiro – um cinema que se afasta do Rio de Janeiro e de São Paulo para contar um país bem mais complexo em toda a sua simplicidade. No registo naturalista e quase documental que caracteriza as suas obras, Novais Oliveira instala-se no seu território (Minas Gerais, Belo Horizonte, os subúrbios) e apresenta-nos uma espécie de comédia romântica involuntária. O Dia Que Te Conheci é a história de um homem e de uma mulher (Renato Novais e Grace Passô) que tentam permanecer à tona num mundo desajustado, e que um dia se conhecem. “Essa questão da comédia romântica não foi muito pensada, mas sim a questão do humor, da tentativa de trazer humor para o filme. Isso vem desde o meu curta Fantasmas, que fiz em 2010. Tem humor e a maioria dos filmes que dirigi aborda relações e relações amorosas”, refere o realizador, que estará presente nesta edição do Doclisboa.
O Dia Que Te Conheci é então a história simples – sem heróis, vilões ou estereótipos – de duas pessoas que se aproximam, se amparam e depois se desejam. Através delas, vamos descobrindo com minúcia o tecido urbano em que se movimentam e encontrando beleza e graça nos seus pequenos gestos e nas suas fragilidades. “Gosto muito de retratar o quotidiano de uma forma mais direta nos meus filmes”, explica o realizador, de quem o Doclisboa mostrará ainda Quando Aqui, filme em que André Novais Oliveira regressa à sua casa da família, território de outros dos seus filmes, para propor um viagem mirabolante entre um passado distante e os futuros que apenas podemos adivinhar, num jogo entre memória e desejo.
Phantoms of Nabua (2009), de Apichatpong Weerasethakul
PROGRAMA ESPECIAL BACK TO THE FUTURE
A secção Riscos do Doclisboa apresenta este ano um programa especial com curadoria de Jean-Pierre Rehm, colaborador habitual do festival. Back to the Future propõe-se “percorrer em alguns filmes o vínculo que liga o modernismo, ou seja, nada mais nada menos do que a utopia do século XX, e o cinema”, explica o também crítico e professor no texto que apresenta este conjunto de filmes.
Sendo fiel à premissa inicial da secção, de olhar para o futuro partindo do passado, os filmes propostos experimentam com a materialidade da película fílmica e da luz, com as possibilidades da montagem e com a relação entre a presença, ou ausência, dos corpos e o espaço que os rodeia.
Na programação de Rehm, destacam-se vários títulos até agora inéditos em Portugal, como Traité de bave et d’éternité (1951), do romeno Isidore Isou, onde a forma convencional de fazer cinema é posta em causa e se oferece, em alternativa, uma película riscada e som que não corresponde à imagem – uma história desconstruída. Por seu turno, no filme Per Speculum (2006), de Adrian Paci, o espectador acede a um espaço que não carece de definição, onde um grupo de crianças entra num diálogo com a luz do sol através de fragmentos de um espelho, que resulta numa experiência visual livre e dinâmica.
Da Albânia chega-nos If and If Only (2005), do artista Anri Sala, em que um caracol se passeia ao longo de um arco de viola, afectando uma execução da peça ‘Elegia para viola solo’, de Stravinsky, perturbação essa que leva o maestro a adaptar o concerto às condições impostas pela nova relação física que ali se gera. Um último destaque para Phantoms of Nabua (2009), do tailandês Apichatpong Weerasethakul, um filme que tem a luz como personagem principal e onde se explora o conforto de casa, por um lado, e a sua destruição, por outro.
A conferência de imprensa da 22ª edição do Doclisboa, em que será anunciado o programa completo, está agendada para 1 de Outubro, na Culturgest.
O Doclisboa, organizado pela Apordoc – Associação pelo Documentário, agradece a todos os amigos, parceiros e associados que tornam possível esta 22ª edição e o regresso do festival à cidade para mostrar ao público algum do melhor cinema do mundo.