Uma Dança Para a Música Do Tempo - Retrospectiva Paul Leduc
¿De dónde son los cantantes?
Nascido numa família comunista na Cidade do México, Paul Leduc (1942-2020) estudou arquitectura e teatro antes de ir para França para o Instituto de Estudos Avançados de Cinema (IDHEC), onde descobriu o trabalho de Jean Rouch. Após regressar a casa, participou activamente no movimento dos cineclubes, fez crítica e co-fundou, com Alexis Grivas, Rafael Castanedo e Felipe Cazals, o colectivo Cine 70.
A sua primeira longa-metragem, Reed: México insurgente (1970), baseada no relato da Revolução Mexicana de John Reed, é um dos filmes-chave do Novo Cinema Mexicano. O curador Amos Vogel considerou-o “uma obra notável, ambígua, de grande subtileza” e incluiu-o no seu livro de referência Film as Subversive Art. Vogel resume a abordagem militante de Leduc: “Reed – que planeara ‘cobrir um acontecimento’ com que simpatizava – apercebe-se de que tem de participar; acaba por atirar uma pedra solitária a uma montra e torna-se num revolucionário”.
O percurso de Leduc, que o levou a recusar as palavras, foi dedicado à procura de uma nova forma e de uma linguagem cinematográfica adequada para retratar a cultura latino-americana. Glauber Rocha foi um cúmplice importante nestas discussões. Leduc explicou: “O México tinha mais a ver com o que emergia de um criador como Juan Rulfo, um escritor do silêncio, do deserto, dos vales secos. O ritmo é muito diferente nos países onde existiram civilizações indígenas, a música demonstra-o”.
Os seus filmes foram exibidos três vezes em Cannes (Reed na Quinzena dos realizadores, Etnocidio. Notas sobre la región del Mezquital na Semana da Crítica, Barroco em Um Certo Olhar) e duas vezes na Berlinale (Frida no Fórum e Latino Bar no Panorama) e Cobrador participou na secção Horizonte em Veneza. Todavia, durante muitos anos, foi difícil vê-los por não existirem cópias. O Doclisboa, em colaboração com a Cinemateca Portuguesa, apresenta a primeira grande retrospectiva europeia do mestre mexicano, dando continuidade aos programas anteriores dedicados à América Latina (Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba em 2016, Luis Ospina em 2018, Carlos Reichenbach em 2022).
A cartografia da obra de Leduc inclui Venezuela, Cuba, Argentina e Panamá. A sua última longa-metragem, Cobrador. In God We Trust (2006), foi em grande parte rodada no Brasil, inspirada pelas histórias de Rubem Fonseca e pelas canções de Tom Zé. Se os seus documentários são tratados sobre temas como a exploração do povo indígena otomi (Etnocidio. Notas sobre la región del Mezquital, 1976) ou a guerra civil em El Salvador (Historias prohibidas de Pulgarcito, 1980), o seu trabalho ficcional aborda a colonização mesoamericana na forma de musicais experimentais: Barroco (1989), Latino Bar (1990) e Dollar Mambo (1993).
Precisão matemática, coreografia de olhares humanos, ausência de diálogos, dança e incompatibilidade política tornaram-se nos elementos essenciais da linguagem que Leduc procurou toda a vida.
Este programa é possível graças à colaboração do FICUNAM Festival Internacional de Cinema, à ajuda da Embaixada do México em Portugal, ao Arquivo Paul Leduc e a Valentina Leduc. Um agradecimento especial a Paula Astorga, que teve a ideia para esta retrospectiva. Agradecimentos também a Cinematograph-Filmverleih e ao Festival de Cinema de Innsbruck pela cedência de uma cópia em 35mm de Dollar Mambo e a Olaf Möller, Laura Alderete, Ekaterina Kalinina, Dana Kovalchik, Jurij Meden e Ed Mayén pela sua ajuda e apoio. O livro Nueve miradas a la obra de Paul Leduc (2021), coordenado por Aleksandra Jablonska e José Axel García Ancira, foi utilizado como fonte de informação indispensável para a investigação bem como o sítio web do Acervo Paul Leduc.
Boris Nelepo
Curador da retrospectiva
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A propósito:
Leduc y sus intérpretes, de Boris Nelepo