Tomás Baltazar entrevista Gaston Sahajdacny, realizador de “Moto”

A ideia de uma relação impossível está presente no filme como se o amor fosse como uma série de fragmentos emocionais numa convulsão social?

Esta impossibilidade evocativa de um relacionamento por meio de lágrimas de amor é uma metáfora da situação actual na Argentina?

Na sociedade em que vivemos existe uma ideia real construída que criminaliza a pobreza de todas as formas e sentidos. Particularmente em Córdoba, Argentina, essa ideia torna-se um pouco mais palpável e ainda mais evidente. Parece que o acesso à cidade é limitado por uma relação de pertença de classe. Assim, certos traços e aspectos tornam-se condicionantes para o trânsito diário com as liberdades. De certa maneira, expulsivos. Essa diferença também se aplica à forma como os laços sociais são estabelecidos e como a segregação se manifesta.

Parte desse território hostil é doloroso para mim e desperta algum interesse em abordá-lo de outro ponto de vista. Talvez como metáfora, sim, ao desejo/saudade alojado na possibilidade de uma relação utópica, onde o afectivo, o afecto, o amor pelo outro dilui todos os limites possíveis.

 

A mota é um veículo solitário, só há espaço para mais uma pessoa. Como surgiu essa incursão pelas ruas de Córdoba, quando a mota tem um duplo sentido: fugir e voltar?

A possibilidade de um duplo sentido de fuga e retorno é interessante. Particularmente na cidade de Córdoba, a figura da mota tem uma carga negativa que está ligada à criminalização da pobreza. Nessa mesma linha de pensamento pudemos refletir sobre o duplo sentido que a mota desperta em nós em torno da liberdade e da opressão, do real e do poético, do possível e do impossível. Este jogo de significados torna-se a chave que nos permite incorporar e aceder a certas problemáticas, como uma espécie de possibilidade de nos deixarmos levar pelo significado que foi construído, para nos permitir escapar. A mota é um elemento que nos dá uma possibilidade de movimento que pode indicar alguns aspectos de ordem social, e que assim transpõe uma realidade crua na qual estamos imersos na possibilidade para um mundo melhor e mais justo.

 

Há certamente uma ternura única no uso da música e dos diálogos. Como surgiu essa harmonia? Foi cuidadosamente pensada ou planeada de forma mais intuitiva durante o processo de montagem?

Agradeço a consideração sobre o trabalho reflectido no filme. Como ideia inicial de abordagem e construção do filme, interessou-me, juntamente com os protagonistas, o desafio de conseguir gerar uma certa atmosfera, que permitisse produzir uma certa harmonia e clima de intimidade, entre uma ligação emocional e o caos da cidade. Harmonia, que acho interessante em certas correntes de cinema, onde os silêncios carregam uma multiplicidade de significados que nos dão a possibilidade de outro tipo de participação activa enquanto espectadores. Dessa forma, a montagem acaba por definir esse mesmo diálogo e permitir tal particularidade musical e sonora ao longo do filme. Note-se também que para chegar a esta construção, o trabalho conjunto com Julia Castro na pós-produção sonora permitiu concretizar aquelas ideias que se estabeleceram desde o início.