Joana de Sousa entrevista Irene M. Borrego, realizadora de “A Visita e um Jardim Secreto”

Numa entrevista, referiste-te a este filme como uma “antibiografia”. Como é que explicas esta definição?

A maioria dos filmes que apresentam um/a artista como protagonista articulam a sua narrativa em torno da história da vida do/a artista. Se o/a protagonista é um/a artista famoso/a, apresentam-se diferentes capítulos da sua biografia e a forma como definem o seu trabalho e processo. E se o/a protagonista é um/a artista desconhecido/a, os biopics tendem a concentrar-se no resgate da sua figura e a destacar uma obra injustamente esquecida. É por isso que eu digo que The Visit and A Secret Garden é um anti-biopic. Quase não conhecemos nenhuma informação biográfica sobre a Isabel Santaló. De facto, Antonio López, a única testemunha viva da época em que Isabel estava activa como pintora, admite não saber muito sobre ela; e o trabalho de Isabel permanece invisível para o espectador. Mais do que um filme sobre Isabel Santaló, penso que A Visita e Um Jardim Secreto é um filme com Isabel Santaló.

 

Em 1939, Hitchcock usou o termo MacGuffin para designar um elemento que serve de catalisador para a narrativa, mas que não precisa necessariamente de ser entendido pelo espectador (como, por exemplo, a massa em Pulp Fiction). A Visita e Um Jardim Secreto também têm o seu próprio mistério. Como estavas a pensar no que é mostrado e no que está escondido no trabalho e na vida da Isabel Santaló?

Desde o início, houve a sensação de que o projecto continha vários elementos de thriller: uma personagem misteriosa, um trabalho ausente e uma porta fechada. Isabel Santaló e o seu trabalho são praticamente inacessíveis, mas o interessante não é tanto revelar o mistério – algo, por outro lado, praticamente impossível uma vez que quase não existem referências históricas a Isabel e ao seu trabalho – mas partilhar com o espectador toda uma série de reflexões que surgem como resultado da sua ausência na história da arte. O mistério de Isabel e do seu trabalho funciona, efectivamente, como um Macguffin, como um convite para se reflectir sobre questões como a memória e o esquecimento, a arte e o processo criativo, a configuração da própria identidade, e o que significa ser uma mulher e uma artista.

 

A relação que se estabelece com a história de Isabel Santaló envolve uma série de questões sobre o papel da mulher na sociedade ao longo do século XX, desde o trabalho à família. Qual foi a importância desta análise política e social na concepção do filme?

Não há respostas categóricas sobre o que é que leva alguns artistas a transcenderem enquanto outros são remetidos para o esquecimento. Digo sempre que a arte é uma coisa, e o mundo da arte é outra. Por vezes esquecemo-nos que por detrás dos nomes de artistas reconhecidos, para além da qualidade do seu trabalho, existe também uma rede de apoio, galeristas, críticos, coleccionadores. Neste sentido, a condição de Isabel como mulher, assim como a sua relação com a família e o contexto histórico em que viveu, não foram de todo favoráveis para ela. Isto é algo que é referido no filme, mas que eu preferi não enfatizar em particular. Mais do que uma exortação a favor da pintora Isabel Santaló, eu estava interessado em reflectir com ela – e através da sua figura – sobre questões que não são apenas sociais e políticas, mas também universais e humanas, que nos dizem respeito a todos, quer estejamos envolvidos na arte ou não.