FILMES DA TUNDRA E DE TEMPOS CONTURBADOS: DOCLISBOA ANUNCIA AS DUAS RETROSPECTIVAS DE 2023

Todos os anos, o Doclisboa abre portas ao diálogo e à comunidade em torno do cinema. As retrospectivas, inseridas na programação do festival, são momentos-chave dessa abertura de espírito e propõem, este ano, dar-nos a conhecer o cinema americano do período do New Deal, em sessões pensadas em estreita colaboração com a Cinemateca Portuguesa – e visões da tundra, das florestas, e da vida no Norte, a descobrir no cinema de Anastasia Lapsui e de Markku Lehmuskallio, num programa que conta com o apoio da Finnish Film Foundation, e que constitui a primeira mostra completa do trabalho destes realizadores.

A sessão de antecipação das retrospectivas da edição de 2023 decorrerá na Esplanada da Cinemateca Portuguesa no dia 7 de Julho às 21h45.

 

O Documentário em Marcha: Conturbados Anos 30 na América do New Deal

 

Este ano, o Doclisboa – Festival Internacional de Cinema (19-29 de outubro de 2023), em parceria com a Cinemateca Portuguesa, dedica a sua retrospectiva temática ao conjunto de cineastas radicais que, em plena Grande Depressão, lutaram para fazer nascer o novo género do Documentário Social como instrumento de mudança socio-política nos EUA.

 

Paralelamente ao empenho do Presidente Franklin Delano Roosevelt em prol da justiça social através das políticas do New Deal do seu governo na década de 1930, uma geração de cineastas procurou infundir factos com sentimentos, arte com agitprop e propaganda, através de um cinema da realidade que procurava comunicar, e talvez até ajudar a resolver, as questões sociais significativas de tempos turbulentos e conturbados.

Da auto-proclamada produção “revolucionária” e das câmaras armadas de grupos independentes, como a Film and Photo League e a Frontier Films, aos épicos “documentários musicais” financiados e produzidos pelo próprio Governo dos EUA, a retrospectiva centrar-se-á nas afinidades e conflitos entre um grupo central de cineastas – incluindo Ralph Steiner, Irving Lerner, Willard Van Dyke, Paul Strand, Leo Hurwitz, Herbert Kline, Pare Lorentz e Joris Ivans – para desse modo mapear uma década única de possibilidades, experiências e desafios, tanto para o cinema como para a sociedade, mostrando ao mesmo tempo como muitas das crises actuais se reflectem nas do nosso passado.

 

Mas não é tudo.

 

Anastasia Lapsui & Markku Lehmuskallio

 

O Doclisboa apresentará uma outra retrospectiva de monta – que conta com o apoio da Finnish Film Foundation – dedicada ao cinema de Anastasia Lapsui e de Markku Lehmuskallio: trata-se da primeira retrospectiva completa dedicada aos realizadores.

 

Anastasia Lapsui, realizadora e argumentista, nascida em 1944 na Região Autónoma de Yamalo-Nenets, então território da União Soviética, e Markku Lehmuskallio, realizador e director de fotografia nascido em 1938 na Finlândia, dedicaram as suas vidas e o seu trabalho conjunto aos povos indígenas do Norte: aos Sami, Inuit, Nenets, Chukchi e Selkup, entre outros. Ao tentarem transmitir os modos de ver e a cultura desses povos, que filmam através de uma grande variedade de abordagens cinematográficas, documentaram as suas vidas e criaram um corpo de trabalho único.

Lehmuskallio trabalhou como guarda-florestal na Finlândia e iniciou-se no cinema ao criar filmes de instrução. Lapsui, nascida no seio de uma família nómada, foi a primeira jornalista radiofónica indígena em Yamal.

A sua filmografia inclui a primeira longa-metragem finlandesa em que o povo Sami fala a sua própria língua, bem como Seven Songs from the Tundra, o primeiro filme narrativo de sempre na língua Nenets. Embora o seu projeto cinematográfico se tenha tornado num grande estudo antropológico, é – ainda – mais do que isso. A natureza, a ecologia, as florestas e o mundo animal, bem como o nosso planeta, estão entre os temas essenciais que abordam com um sentido de aventura. Lapsui e Lehmuskallio dão continuidade ao legado de Flaherty, sem, no entanto, repetir a sua abordagem. Os seus filmes podem ser vistos como uma colecção de diferentes possibilidades de existência do cinema (talvez por isso, a ideia de pintura e a de como transformar a realidade em ficção sejam um motivo recorrente no seu trabalho).

 

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As retrospectivas do Doclisboa são momentos marcados por projectos curatoriais que pretendem oferecer uma visão precisa e abrangente dos temas e cineastas a que são dedicadas; a sessão de antecipação que terá lugar na esplanada da Cinemateca Portuguesa no dia 7 de julho às 21h30, será um primeiro olhar sobre a programação deste ano.

 

Serão exibidos os filmes, Footnote to Fact, de Lewis Jacobs (EUA, 1933, 8’), Millions of Us, de Jack Smith [Slavko Vorkapich] e Tina Taylor (EUA, 1936, 17’), e Hands, de Ralph Steiner e Willard Van Dyke (EUA, 1934, 4’), em modo de antevisão da retrospectiva O Documentário em Marcha: Conturbados Anos 30 na América do New Deal.

 

A sessão continuará com o filme, Anna, de Anastasia Lapsui e Markku Lehmuskallio (Finlândia / 1997 / 58’), que apresenta a retrospectiva dedicada aos realizadores: Anastasia Lapsui & Markku Lehmuskallio.