Depois de revelarmos a abertura e encerramento, desvendamos agora os destaques das secções incontornáveis Heart Beat e Da Terra à Lua.
Madonna, David Lynch, Boy George, Jeff Buckley… Cabem todos na secção Heart Beat, que reúne filmes que atravessam múltiplas formas de arte e expressão, celebrando o acto criativo. Destacamos Lynch em dose dupla, primeiro com a estreia nacional de Welcome to Lynchland, de Stéphane Ghez, que mergulha na obra do surrealista-pop e dá voz a Kyle MacLachlan, Laura Dern e Isabella Rossellini, entre outros dos colaboradores mais próximos; recuperamos Duran Duran: Unstaged, experiência lynchiana numa actuação dos britânicos Duran Duran, ícones synth-pop.
Ainda na mesma era, em Boy George & Culture Club, de Alison Ellwood, o cantor e os seus colegas de banda partilham pela primeira vez a sua história, num retrato íntimo e divertido da banda que revolucionou a era dos New Romantics e de Margaret Thatcher.
Becoming Madonna, de Michael Ogden, parte de imagens e registos inéditos, num filme que acompanha a transformação da jovem outsider do Michigan na estrela pop mais poderosa e controversa do mundo.
Mais uma estreia nacional – It’s Never Over, Jeff Buckley, de Amy Berg. O filme retrata Buckley, cuja voz única e carreira promissora terminaram tragicamente com a sua morte em 1997. Com imagens e testemunhos privados, a cineasta Amy Berg revela o legado e o mistério de uma das figuras mais marcantes da década.
Diogo Varela Silva regressa ao festival com Soco a Soco. Nos anos 1970, Orlando Jesus foi mais do que um pugilista: tornou-se símbolo de uma Lisboa dura e marginal. É um retrato que preserva a sua memória e a da cidade que o formou, num contraste brutal com a Lisboa actual. Pele Nómada, de João Fiadeiro e Aline Belfort, é um filme sobre memória e transformação. A partir da Lisboa marcada pela gentrificação, acompanha Fiadeiro no processo de embalar e transportar o percurso do atelier RE.ALpara ser arquivado em Serralves. O filme interroga a forma como o passado ressoa no futuro e como os lugares guardam — ou não — as marcas da criação artística. Em Estava Escuro na Barriga do Lobo, Joana Botelho acompanha Sara Carinhas numa viagem pelas suas memórias pessoais (avós, lobos, festas, fotografias e imaginação) que a conduzem até à criação de Última Memória, estreada em 2023 no Teatro São Luiz. Entre jogo e confissão, o filme — que no Doclisboa será acompanhado de uma performance de Sardinhas — traça um retrato íntimo da artista, onde a memória se cruza inevitavelmente com a cena.
One to One: John & Yoko, de Kevin Macdonald e Sam Rice-Edwards mergulha no universo musical, artístico e político de John Lennon e Yoko Ono, tendo como pano de fundo uma (outra) época turbulenta da história americana. No centro está o concerto solidário One to One para crianças com necessidades especiais — o único concerto completo de Lennon após os Beatles. O filme apresenta arquivos raros e inéditos, de chamadas telefónicas pessoais a filmes caseiros, bem como imagens remasterizadas do concerto.
Nesta edição do festival, celebramos os 100 anos do nascimento de Luciano Berio com um programa especial dedicado ao compositor italiano. Apresentamos quatro filmes raros e essenciais que exploram a relação entre música, imagem, memória e experimentação. Il canto d’amore di Prufrock (1967), de Nico D’Alessandria, inspirado no poema homónimo de T. S. Eliot, combina a declamação de Carmelo Bene com a música de Berio. Sirènes (1961), de Emile Degelin, é um filme experimental baseado no poema The Sirens, de James Joyce, em diálogo com música eletrónica e sonhos marítimos. The Colours of Light (1963), de Bruno Munari e Marcello Piccardo, investiga luz e cor com a presença conceptual de Berio. Por fim, Voyage to Cythera (1999), de Frank Scheffer, centra-se na terceira parte da Sinfonia de Berio, transformando citações musicais de Mahler, Stravinsky e Boulez num fluxo contínuo de sons e imagens, guiado pelo próprio compositor. Este programa oferece um percurso singular pelas interseções entre cinema, literatura e música, revelando o gesto radical e poético de Berio.
Agora na secção Da Terra à Lua, dois pesos pesados do cinema mundial — Werner Herzog e Lucrecia Martel. Começamos pela cineasta argentina, com Landmarks. Em 2009, Javier Chocobar, líder da comunidade indígena de Chuschagasta, é assassinado por três homens que alegam ser donos da terra. O filme acompanha a luta de nove anos por justiça, combinando vozes e imagens da comunidade com footage do tribunal, para explorar as consequências do colonialismo e da expropriação de terras. Werner Herzog regressa ao festival com Ghosts Elephants, um filme que questiona, à boa maneira do cineasta alemão, se certas epopeias não são melhores se ficarem por concluir… Em Ghost Elephants, o explorador Steve Boyes parte com três mestres rastreadores da Namíbia numa busca ‘à la Moby Dick’ pelos raros elefantes-fantasma de Angola. O filme acompanha a missão, despertando questões existenciais e reflectindo sobre a conservação ambiental e cultural em África. Destaque ainda para Cover-up, dirigido pela oscarizada Laura Poitras em colaboração com Mark Obenhaus. O filme, acabado de chegar do Festival de Veneza, explora a carreira do jornalista Seymour Hersh, jornalista premiado com o Pulitzer, que revelou os escândalos de tortura do exército dos EUA nas guerras do Vietname e Iraque.
Voltando a Portugal, um filme importante e inédito: As Brigadas Revolucionárias na Luta Contra a Ditadura (1970-1974), de Luiz Gobern Lopes. Entre 1970 e 1972, as Brigadas Revolucionárias lutaram contra a ditadura portuguesa, o capitalismo, o colonialismo e o imperialismo. Este documentário traça a sua história única, desde a implantação da Ditadura em 1926 até ao aparecimento e acção desta organização anti-fascista, as cisões entre operacionais e o culminar de uma história de resistência que desagua no 25 de Abril de 1974.
Em Outubro, o mundo inteiro cabe em Lisboa.