Parafraseando Sartre, algumas reflexões sobre a questão colonial… no cinema. No caso, cingimo-nos à história recente, ao continente africano e às antigas colónias portuguesas e francesas. O ponto de partida é o fim da Guerra da Argélia – simbolizando o fim das colónias francesas, habilmente mantidas sob o jugo neocolonial – que coincide com a decisão do Estado Novo de avançar para a guerra colonial. Rapidamente, a revisitação dos materiais das “colecções coloniais” revela-se desajustada, condicionada à recontextualização, que reduz o cinema ao documento. A viagem deriva, então, para os cineastas solidários e sobretudo o nascimento dos cinemas africanos. Resta saber se, como Ousmane perguntava a Rouch, quando houver muitos cineastas africanos, os cineastas europeus deixarão de fazer filmes sobre África.
Dois momentos fundacionais do cinema guineense e da colaboração de Flora Gomes e Sana na N’Hada, gestos híbridos entre ficção e reconstrução, em busca da imagem de um país e de um povo. O funeral de Amílcar Cabral, finalmente realizado com honras de Estado após a independência, simboliza o nascimento da nação e Mortu Nega o seu nascimento cinematográfico.
O Regresso de Amílcar Cabral
Mortu Nega
O lugar dos jovens africanos na sociedade francesa, o choque entre os sonhos e a violência da sociedade colonial que se perpetua muito para lá das independências das novas nações africanas, numa sessão que junta o gesto documental do cinéma vérité com um dos primeiros filmes de ficção do mestre Sembène.
Africa on the Seine
Black Girl
Nestes filmes, rodados por cineastas militantes e solidários que desafiaram a censura em França, condensam-se os anos de violência da Guerra da Argélia – vividos no presente e na frente de combate em Algérie en flammes ou nas imagens que dela trazem as crianças exiladas na vizinha Tunísia em J’ai huit ans – e a força de esperança do país no Ano Zero da independência.
J'ai huit ans
Algérie en flammes
Algérie, année zéro
Uma sessão no limiar da história de Angola, entre a independência duramente conquistada e a ameaça da guerra civil, num breve momento de esperança no futuro da jovem nação. A passagem da câmara das mãos dos camaradas cineastas europeus para os jovens cineastas angolanos acontece também neste momento que o futuro não concretizou.
Nascidos na Luta, vivendo na Vitória
Guerre du peuple en Angola
A obra de Mario Marret, só recentemente reencontrada e restaurada, filmada em plena guerra na Guiné, já aflorava a questão das escolas de mato – um eixo fundamental da acção do PAIGC nas zonas libertadas. A relação entre a terra, a luta e a aprendizagem estão no coração dos dois filmes de Filipa César e Sónia Vaz Borges, a partir do arquivo em Navigating the Pilot School e da experiência física e sensorial em Mangrove School.
Nossa Terra
Navigating the Pilot School
Mangrove School
Mesa redonda: A Questão Colonial
A beleza que atravessa o Carnaval da Vitória, que regista o primeiro Carnaval de Angola independente em 1976, não esconde o trauma de vinte anos de guerra colonial, que se prolongará na violência da guerra civil. Vinte anos mais tarde, Sissako parte em busca de um amigo, e de si mesmo, e encontra um país cujas feridas resistem às simplificações históricas.
Esta sessão decorre no âmbito do projecto FILMar, operacionalizado pela Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, integrado no Mecanismo Financeiro de Apoio EEA Grants 2020-2024.
Carnaval da Vitória
Rostov-Luanda
A Argélia é vista e contada por jovens mulheres, estudantes, poucos anos após o fim da guerra, no filme-inquérito de Ahmed Lallem. Vinte anos após a independência, a escritora Assia Djebar lança-se num filme-ensaio musical, onde, para lá das fronteiras do seu país, repensa o Magrebe e a sua história moderna.
The Women
The Zerda and the Songs of Forgetting
Esmagado o sonho revolucionário que agitou o continente europeu entre 1967 e 1969, a década é marcada pela radicalização e marginalização do movimento político. É nesse contexto que estes dois filmes repensam o mundo, desde logo deslocando o seu centro para África, onde a luta, então, parece ainda poder derrubar o sistema.
On Africa
Algiers, Capital of the Revolutionaries
Crossing Voices
Em meados da década de 1950, o encontro entre Oumarou Ganda, então um jovem estivador do Porto de Abijão, recém-regressado da guerra da Indochina, e Jean Rouch, o engenheiro-cineasta, marca um ponto de viragem no cinema de Rouch com I, a Negro. Uma década mais tarde, no Níger, nasce o cinema de Ganda com o autobiográfico Cabascabo.
Cabascabo
I, a Negro
A jovem nação moçambicana atraiu muitos cineastas, num movimento do qual poucos filmes sobreviveram. Rouch terá realizado Makwayela no âmbito de uma formação para jovens técnicos e cineastas. Já Ruy Guerra, que regressa ao país natal nos primeiros anos da independência, procura em Mueda a memória do início da guerra colonial.
Makwayela
Mueda, Memória e Massacre
Harkis
Os filmes de Licínio de Azevedo, decano do cinema moçambicano, revisitam e reconstituem a história recente do seu país, num gesto que oscila entre ficção e documentário. A questão da terra e dos seus frutos no coração do conflito colonial e pós-colonial atravessa estes dois filmes, lembrando a dimensão física e económica da exploração.
Nhinguitimo
A Colheita do Diabo
About the Conquest
O debate, mais actual do que nunca, em torno da dívida histórica dos colonizadores para com os ex-colonizados, encontra aqui uma das suas primeiras expressões no cinema com o seminal Afrique 50, de René Vautier, que valeu a censura e a prisão ao seu autor, e é objecto do processo montado por Sissako num pátio tradicional africano da cidade de Bamako.
Afrique 50
The Court
Catembe
O Vento sopra do Norte
Kuxa Kanema, o projecto de cinema com e para o povo moçambicano, que não pode deixar de lembrar o mítico cine-comboio de Medvedkin, é contado pelos cineastas que o fizeram, entre eles Ruy Guerra. A missão de registar os primeiros passos da independência também passou pelo duro processo dos comprometidos, acusados de compactuar com o colonizador português.