Retrospectiva Back to the Future
Por trás deste título, que é uma piscadela de olho à história do cinema, estava originalmente a ambição de percorrer em alguns filmes o vínculo que liga o modernismo – ou seja, nada mais nada menos do que a utopia do século XX – e o cinema. É sabido que os pressupostos de universalidade, a confiança na geometria, a vontade de alcançar a arte na vida alimentam o projecto modernista. Mas a sua essência revela-se, em última análise, animada pelo movimento de projecção em todos os sentidos: prospecção, linha de tempo maleável e previsível da felicidade – movimento uniforme, em suma, de trás para a frente. É por isso que o cinema não é apenas mais um dos vectores artísticos desta aventura, mas o modelo, o arauto. E definitivamente o herói. Recorde-se a observação de Malraux: o cinema é a projecção, a experiência de uma luz que vem de trás das nossas cabeças e se nos oferece diante dos olhos. De certa maneira, é a experiência de um arremesso: travessia temporal e espacial, mas sobretudo arrebatadora e desconcertante. Por essa razão, a pedra angular deste programa só poderia ser Chelovek s kino-apparatom [O Homem da Câmara de Filmar]. Não se repetirão aqui as maravilhas e o espanto de um filme que simultaneamente se cola ao que admira e é um exercício virtuoso de mise en abîme. É sabido que este filme celebra um contrato verdadeiramente inaudito entre uma cidade, os seus habitantes, as suas várias actividades, o tempo que decorre ao longo de um dia e um operador e a câmara – ou mais precisamente a sua lente –, única verdadeira protagonista. Contrato entre fixidez e velocidades; contrato entre unicidade e multiplicidades. Contrato, por último, mas não menos importante, entre os planos entre si, também aí libertando de forma inaudita e literalmente revolucionária a própria ligação dos elementos registados, como se obviamente esta façanha de filmagem e de montagem antecipasse a “emancipação” de toda a sociedade.
Meditando nisso e avançando título a título, a orientação do conjunto sofreu, então, uma flexão considerável. Adoptou-se outra medida, diferente da de um heroísmo convicto: a de uma melancolia pela obra nos seus vaivéns entre passado, presente e sonho futuro. Ou, para ser mais preciso, e algo que retrospectivamente se revelou com clareza, tratou-se de perceber que, tanto no início como no fim do arremesso, não havia nada a não ser a infância. Não se trata de qualquer tendência retrógrada de regresso à infância, nem sequer de arrependimento de uma infância perdida: a infância, ela própria, como arremesso. Infâncias diferentes, naturalmente, que vão desde a imaginada da humanidade à expressão única da soberania, passando pelos seus jogos, as suas emoções, as suas feridas e os seus assassinatos. E se a mise en abîme parece um método tão recorrente nestes filmes, nunca é para fazer soar as cornetas da auto-celebração, brandir os espelhos de um narcisismo pueril, mas paradoxalmente, como Per Speculum, Phantoms of Nabua e Mon cas exemplificam, para marcar, pelo contrário, a ruptura íntima, interior, constitutiva do cinema no seu projecto.
(Ser obrigado pela História, a nossa, a de hoje, deste dias, a pensar na infância actualmente destruída terá sem dúvida influenciado tal orientação.)
Jean-Pierre Rehm