Joana de Sousa entrevista Miguel de Jesus, realizador de "Ultimate Bliss"

É-nos lida uma carta de alguém que está prestes a embarcar numa aventura até ao fim do mundo e ao início de um amor. De que forma foi construído este texto?

De uma forma muito orgânica e natural, porque esse alguém que embarca numa viagem sem retorno sou eu. Casei-me com a Marisa em Lisboa e, uma semana depois, a Marisa partiu para a Tasmânia. Eu fiquei em Portugal por mais dois meses e meio, a viver num limbo entre uma vida que já não me pertencia e um futuro de total incerteza e desconhecimento. Nós sempre tivemos o hábito de trocar pequenas notas, bilhetes e cartas onde partilhávamos ideias, sentimentos e desejos de amor e fortuna. No dia em que a Marisa voltou ao seu país de origem, deixou-me uma carta à qual eu nunca pude responder, ou pelo menos da forma que sabia. O texto e o filme em si são a minha resposta a essa carta, e que compreende a janela temporal em que fico sozinho em Portugal até ao dia da minha chegada ao outro lado do mundo.

 

Uma história de amor é contrastada com imagens filmadas em super 8, formato que retém uma certa atemporalidade, que poderia ser facilmente parte de material de arquivo de uma exploração zoológica a um país tropical. Como vês essa relação que se cria com a materialidade da película?

É necessário desmistificar o uso da película neste caso. Apesar de poder criar uma relação entre o formato e uma ideia de memória e destino, a razão pela qual o filme é em Super 8 é porque tive de condensar toda a minha vida numa mala de viagem de 20 quilos, e a câmara Super 8 era a única câmara que tinha comigo, sem saber sequer se estava a funcionar. Porém, a ideia de exploração advém do facto de grande parte da fauna e da flora ser avistada pela primeira vez e, por conseguinte, filmada também. A película tem o constrangimento de não se poder apontar e esperar pelo momento certo, ou que um destes animais raros e fugidios brotem da vegetação. Há um lado de surpresa e admiração, ao mesmo tempo em que me apercebo, aos poucos, que esta é a minha nova realidade.

 

A amizade é um elemento importante neste filme como também o era no teu filme anterior Cerro dos Pios (estreado e premiado no Doclisboa em 2019). Para além disso, criaste uma cooperativa de produção, a Bam Bam Cinema, com pessoas próximas de ti. Qual é a importância dessa rede de afectos para a tua maneira de fazer cinema?

Os amigos são um ponto de partilha e de equilíbrio, que ganham uma demais importância em filmes autobiográficos e de uma enorme exposição íntima, como é o caso dos meus primeiros filmes. As relações inter-humanas tornam-se essenciais. Eu e o Paulo Carneiro conhecemo-nos há mais de uma década. É uma pessoa que acompanhou, de uma forma ou de outra, vários destes momentos. Apesar de termos personalidades distintas, temos ambições e objectivos em comum. A Bam Bam Cinema nasce a partir dessa ligação. No tempo presente, somos quatro membros espalhados por três continentes, todos com o mesmo propósito de fazer cinema de uma forma mais justa, de afinidade, entreajuda e colaboração, para nós e para outros.

 

 

Sessões

10 Out — 19:00 / 95’
Cinema São Jorge Sala M. Oliveira

Competição Portuguesa

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Ultimate Bliss

Miguel de Jesus

Olho Animal

Maxime Martinot
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15 Out — 11:00 / 95’
Cinema São Jorge Sala 3

Competição Portuguesa

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Ultimate Bliss

Miguel de Jesus

Olho Animal

Maxime Martinot
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